sábado, 4 de junho de 2011

O ciclo do Lixo Eletrônico - 2. Descarte e reuso

Uma vez encerrada a etapa inicial de consumo e uso de eletrônicos, ou seja, depois que a pessoa ou organização que comprou determinado equipamento já o usou ao máximo, ainda existe uma série de alternativas antes do efetivo descarte para a reciclagem. Esta parte do texto tem uma grande influência de idéias gradualmente elaboradas dentro do âmbito da Rede MetaReciclagem, mas até hoje não implementadas por diversos motivos. Nesse sentido, é muito mais uma hipótese a ser testada do que uma recomendação prática, e conta com a imprecisão de ser uma história contada por um de seus participantes. Como nas outras partes, aguardo críticas e sugestões. O foco principal aqui é estender a vida útil principalmente de computadores junto com projetos sociais, mas é possível pensar em adaptações dessas propostas para celulares e outros equipamentos.

A rede MetaReciclagem

A sociedade do excesso é também a sociedade do desperdício. A cada ano, entre os milhões de equipamentos eletrônicos que vão para o lixo, literalmente se joga fora a oportunidade de ajudar muita gente. Essa foi uma das influências para a criação da rede MetaReciclagem, e é também a motivação por trás de diversos projetos cujo foco é a reutilização de eletrônicos.
A idéia da MetaReciclagem surgiu na rede, como um dos projetos do Projeto Metá:Fora, em 2002. Depois de debater por algum tempo a idéia de receber doações de computadores usados e remanufaturá-los usando software livre, passamos a contar com o apoio do Agente Cidadão, uma ONG de São Paulo que fazia a coleta, armazenamento e redistribuição de qualquer tipo de doação material (roupas, livros, móveis, e também eletrônicos) para associações comunitárias e outros projetos. Em 2003, houve alguma repercussão da MetaReciclagem na imprensa, e passamos a receber um fluxo quase constante de doações. O Agente Cidadão nos cedeu um espaço - que chamávamos de Galpão - e conseguimos arregimentar um grupo de voluntários que freqüentava o espaço a cada semana. A partir de lá, começamos a construir parcerias com diferentes projetos, e logo percebemos que o que estávamos propondo ia muito além do aspecto operacional da coisa - logística, tratamento e redistribuição. No processo de mobilizar pessoas para colaborar, fazer a triagem e a remanufatura dos computadores e por fim direcioná-los acabamos aprendendo muito sobre os diversos processos envolvidos.
Uma questão fundamental que a MetaReciclagem já tocava naquela época era a questão do aprendizado relacionado à apropriação crítica das tecnologias, incentivando a curiosidade sobre o funcionamento interno das máquinas, quebrando a verdadeiro medo que as pessoas têm de manipular a tecnologia - tomá-la nas mãos, entender as elementaridades dela e propor novas combinações. Uma metáfora bastante significativa nesse sentido é o monolito negro do filme 2001 - Uma odisséia no espaço. Enquanto as pessoas tratarem a tecnologia como uma coisa fechada, cujo funcionamento é misterioso - quase mágico, no mau sentido -, estamos longe de conseguir criar um processo efetivo de apropriação dela.

O ciclo do Lixo Eletrônico - 1. Produção e consumo

A produção e o consumo de eletrônicos são elementos totalmente interdependentes. A indústria, com forte apoio da mídia (não só a imprensa especializada em 'informática', mas também a imprensa de variedades e em grande medida o entretenimento), se esforça constantemente em criar umailusão de obsolescência, lançando periodicamente novos equipamentos cominovação incremental - aquelas poucas novidades que vêm devagar, um pouquinho em cada nova versão. Já fazem alguns anos que os computadores novos não trazem mais do que versões um pouco mais rápidas de suas versões anteriores. Por outro lado, a indústria trabalha também com o estímulo a comportamentos condicionados e objetos de desejo que, na visão distorcida e irresponsável do grande marketing, aquecem a economia ao incentivar o consumo (e, adiciono eu, oconsumismo). Assim, conseguem cobrir toda a gama de adoção de equipamentos.
Aquelas pessoas que dão mais valor a estabilidade e segurança defrontam-se com a situação de que seus computadores precisam de software mais recente, que não roda com o sistema operacional desatualizado. O sistema operacional novo precisa de mais memória, velocidade, armazenamento, o que for. Para isso, precisam comprar um computador novo. Como não sabem (e os fabricantes não fazem questão de informar) que existem muitos usos alternativos mesmo para computadores de dez anos atrás, acabam por guardá-los em algum armário ou se desfazer deles. Não percebem que qualquer computador é um artefato que condensa uma grande quantidade de conhecimento, e aqui não estou falando só da quantidade de informação que ele armazena: cada peça de um computador é um sistema complexo de cálculos e armazenamento, e o conhecimento aplicado no desenvolvimento e fabricação de cada uma dessas peças deveria nos levar a pensar duas vezes antes de simplesmente descartá-la.
No outro lado do espectro de consumo, as pessoas que não se importam com estabilidade mas dão importância à novidade e à descoberta se vêem em um mundo de novas funcionalidades e novos usos em potencial que hoje já éinapreensível: pouca gente consegue saber todos os usos possíveis para um computador ou um celular. Eu me lembro que não mais do que quinze anos atrás, muita gente já tinha aparelhos de videocassete que tinham um monte de funções para agendar gravações, mas ninguém sabia usar. Hoje em dia os videocassetes são peça de museu, mas essa condição se espalhou para diversos outros aparelhos. Conheço muita gente que até hoje não consegue nem enviar um SMS, mas tem telefones celulares com câmera, MP3, rádio, wi-fi e outras coisas. Aquelas poucas pessoas que sabem usar tudo isso tampouco se satisfazem: é só aparecer um aparelho que tenha uma função a mais (hoje em dia é o multi-touch ou o 3G) e já se desfazem dos "antigos". Isso tem nome: obsessão ou compulsão.
Em todo o processo de fabricação de qualquer eletrônico, além de incorrer em comportamento levemente antiético ao estimular o desejo desenfreado por consumir cada vez mais, muitas empresas adotam também comportamentoexplicitamente predatório: a extração de matérias-primas e a produção industrial de eletrônicos frequentemente fazem uso de mão de obra precária, não levam em conta os impactos social e ambiental, e produzem uma grande quantidade deresíduos tóxicos. Muitas empresas têm plena consciência disso tudo e acreditam, como já é típico, que fechar os olhos elimina os problemas. Isso não é verdade. Como temos tentado mostrar neste blog, a situação do lixo eletrônico está totalmente desequilibrada: a quantidade de descarte produzido a cada mês supera em muito a capacidade de absorção e reciclagem do sistema produtivo.